COMUNICADO

Após ter tomado conhecimento do artigo de opinião do Jornal online Observador “A inclusão pedagogicamente “assassina”, da autoria dos professores Alberto Veronesi e Susana Mendes, a FPDA-Federação Portuguesa de Autismo e as suas Associações Federadas vêm a público repudiar e lamentar o discurso ofensivo e discriminatório que tanto os autores como o próprio jornal estão a disseminar sobre uma CRIANÇA. 

É absolutamente chocante esta exposição e difamação pública de uma criança em prol de fazer valer necessidades próprias e direitos enquanto comunidade educativa, onde seria mais útil e produtiva a discussão sobre as dificuldades enfrentadas pelos professores no processo de inclusão e a importância de fornecer suporte e recursos adequados para garantir o sucesso académico e social das crianças. Esta ação discriminatória com que nos deparámos contribui para a perpetuação de estereótipos prejudiciais que contribuem para a estigmatização de crianças com necessidades específicas, incluindo crianças com autismo. A privacidade e a proteção destas devem ser mantidas a todo o custo e as rotulações negativas e desrespeitosas não podem ser toleradas.

Em Portugal, o Decreto-Lei 54/2018, de 6 de julho de 2018, estabelece que todos os alunos devem estar inseridos no ensino regular, independentemente da sua condição, priorizando “uma educação inclusiva que responda às suas potencialidades, expectativas e necessidades no âmbito de um projeto educativo comum e plural”. O Decreto-Lei supramencionado realça, como eixo principal, “a necessidade de cada escola reconhecer a mais-valia da diversidade dos seus alunos, encontrando formas de lidar com essa diferença, adequando os processos de ensino às características e condições individuais de cada aluno, mobilizando os meios de que dispõe para que todos aprendam e participem na vida da comunidade educativa”.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência também define, no seu artigo 24º, alíneas a,b,c,d, que todas as pessoas com deficiência têm direito à educação e, que, portanto, não podem ser excluídas do ensino geral gratuito com base na sua deficiência e que, para tal, devem ser providenciadas todas as adaptações necessárias para “facilitar a sua educação efetiva”. De acordo com o artigo 8º, alínea 2b da Convenção, é essencial a promoção de “todos os níveis do sistema educativo, incluindo a todas as crianças desde tenra idade, uma atitude de respeito pelos direitos da pessoa com deficiência" e, portanto, compreende-se que todos os atores educativos são essenciais na construção de uma sociedade mais justa e de promoção da equidade.   

É do conhecimento geral que a aplicação do Decreto-Lei 54/2018, de 6 de julho de 2018, carece de recursos e apoios adequados que permitam uma verdadeira e efetiva inclusão de todos os alunos. No entanto, defendemos e acreditamos que não será este o caminho a adotar para fazer valer as necessidades e direitos da comunidade educativa e para tornar a Escola um lugar de inclusão e respeito. A Escola está na base da construção da nossa Sociedade. Será esta a Sociedade que queremos para as nossas crianças: uma sociedade de rancor, ódio, discriminação, de exclusão? Uma Sociedade que não olha a meios para atingir os seus fins?

A mudança que queremos ver na sociedade, mais do que começar na escola, começa em todos nós; a falta de recursos e de apoios não deve nem pode, em momento algum, ser motivo de discriminação ou desculpa para a ausência de empatia e de respeito para com o outro. Lamentamos e envergonhamo-nos que esta aluna não tenha tido direito ao elementar: Empatia e Respeito.

Toda a descrição desta história, que “não é ficção”, como os autores salientaram, é grotesca e transmite uma imagem que para além de negativa, destrói todo o trabalho que tem sido realizado ao nível da sensibilização, desmistificação e da luta pelos direitos das pessoas com autismo em Portugal.

Se o objetivo do artigo era descrever a falta de condições e de recursos humanos para que seja possível uma inclusão de qualidade das crianças com autismo na escola, o que fez foi censurar a inclusão desta “desgraçada aluna” e, possivelmente, a inclusão de outros “desgraçados” prejudicando todos os outros alunos, uma vez que, nas palavras dos autores “restam os outros 24 alunos, “excluídos” pela “inclusão frustrada de uma aluna com PEA”. Enquanto continuarmos a achar (e a disseminar) discursos como este, em que existem “uns” e os “outros”, não teremos uma Escola Inclusiva - nem que existam todas as condições e recursos do mundo.

A Federação e as suas Associações Federadas trabalham diariamente, também com os poucos recursos e meios de que dispõem, para responder às várias solicitações e necessidades daqueles que nos procuram, quer através de projetos financiados, de ações de formação ou dos atendimentos a pessoas com autismo e famílias. Temos cooperado com inúmeras escolas e saudamos o trabalho de todas aquelas que, com os meios existentes, promovem e alcançam a inclusão de todos os alunos. Continuamos à disposição de todos aqueles que nos procurem para aumentar o seu conhecimento sobre o Espetro do Autismo e melhorar as suas práticas. 

É lamentável e profundamente errado que se utilize sistematicamente a palavra “autista” como termo depreciativo para descrever as características ou o comportamento de alguém. Que se pare, de uma vez por todas, de utilizar “autista” como adjetivo negativo. 

Por fim, incentivamos e agradecemos que jornalistas, editores e responsáveis pelos diferentes órgãos de comunicação social em Portugal cumpram o direito de respeitar a privacidade e a dignidade das pessoas autistas, nomeadamente o de não serem identificadas expressamente pela sua deficiência e pela respetiva nacionalidade, não sendo aceitável a ampla difusão de tal relato pela comunicação social.

A Federação Portuguesa de Autismo e suas Associações Federadas
6 de maio de 2023


Partilhar
Continuar a ler mais notícias

Subscreva a nossa Newsletter!

Receba regularmente notícias da Federação Portuguesa de Autismo.