Pioneiros na Investigação do Autismo

Grunya Efimovna Sukhareva (cujo sobrenome também tem sido escrito como Ssucharewa), psiquiatra da infância, nasceu em Kiev (1891) e faleceu em Moscovo (1981). Em 1925 publicou, numa revista russa e em 1926 numa revista alemã, a descrição do quadro clínico de 6 rapazes que pelo quadro clínico descrito e pela sua evolução são compatíveis com o que, de acordo com os critérios modernos, se designa como uma condição do espectro do autismo [i]. Sukhareva chamou a esta situação uma “perturbação da personalidade esquizoide”. Na sua descrição reconheceu que os seis jovens que descrevia tinham “uma atitude autística”. Esta publicação pode ser apreciada na sua tradução publicada em 1996 por Wolff [ii].

Há autores que se interrogam como é que Hans Asperger ignorou a publicação de Sukhareva, pondo a hipótese de ele se ter apropriado do seu trabalho sem o citar [iii]. O artigo de Asperger de descrição do autismo é muito semelhante ao de Sukhareva publicado em 1926 [iv]; em alguns dos seus trabalhos Asperger cita outros trabalhos de Sukhareva, pelo que a hipótese de ele não ter tido conhecimento deste trabalho não parece plausível. A atualidade do trabalho de Sukhareva é demonstrada num artigo em que se comparam as suas observações com os critérios de condição do espetro do autismo do DSM-V [v]. Este artigo demonstra que os critérios de diagnóstico da condição do espetro do autismo foram reconhecidos na descrição de Sukhareva, em especial na discussão final que faz desta “perturbação da personalidade esquizoide”, com os seus traços distintivos.

Em 1943, Leo Kanner publica o que, até recentemente, era considerado o primeiro artigo sobre autismo [vi], e é enviado para publicação o de Hans Asperger [vii], que reconhece o autismo como uma nova entidade nosológica. Donald T., o primeiro caso descrito no artigo de Kanner, tem sido considerado como a primeira pessoa diagnosticada com autismo. O conhecimento do seu percurso de vida é de uma atualidade extrema para a compreensão do autismo e da necessidade de estabelecer respostas adequadas a cada fase da vida das Pessoas Autistas. Donald Gray Tripplett, nascido em setembro de 1933, faleceu em Junho deste ano com 89 anos; viveu numa comunidade em Forrest no Mississipi. O seu percurso de vida leva-nos a múltiplos ensinamentos. Após ter sido transitoriamente institucionalizado pelo Conselho Médico, acabou por regressar a casa dos pais. Enquanto criança era enciclopédico em algumas áreas, mas aparentemente emocionalmente distante e opunha-se violentamente a alterações na sua rotina. Com o apoio da família, Donald T. é um exemplo de sucesso de inclusão, de desinstitucionalização que, com as adaptações necessárias, foi integrado e aceite na comunidade em que viveu.

Em Portugal o médico dermatovenereologista, José Carlos de Almeida Gonçalves, defrontou-se na década de 60 do século passado com comportamentos do seu filho para que a medicina portuguesa dessa altura não tinha resposta. Depois de vários contactos internacionais acabou por chegar ao diagnóstico de “autismo infantil precoce”. Em 1971 publicou o primeiro artigo científico em Portugal sobre esta matéria [1]. Também em 1971 foi um dos fundadores da primeira associação portuguesa dedicada a esta temática: “Associação Portuguesa para Protecção das Crianças Autistas”. Esta associação precedeu a “Associação Portuguesa para Protecção aos Deficientes Autistas” a que se sucedeu a “Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo”, inicialmente de âmbito nacional e, que em 2002 se cindiu em três associações regionais: APPDA – Norte, APPDA – Coimbra e APPDA – Lisboa; logo aquando da cisão ficou decidido constituir uma Federação destas associações, o que acabou por ser concretizado em 2003, pelas três associações acima referenciadas juntamente com a APPDA – Viseu, que entretanto se tinha constituído.

A FPDA – Federação Portuguesa de Autismo iniciou a sua atividade em janeiro de 2004, tendo como sua grande impulsionadora e primeira Presidente do Conselho Executivo Isabel Cottinelli Telmo.

Quase 100 anos após a primeira descrição da condição do espectro do autismo, que já Sukhareva entrevia como uma alteração inata do desenvolvimento. Apesar do muito que já se sabe, temos consciência que só com uma investigação de qualidade haverá evolução na compreensão desta situação de neurodiversidade.

Fernando Campilho
Presidente do Conselho Executivo da FPDA

Referências Bibliográficas:

[i] Ssucharewa, G. E.: Die schizoiden Psychopathien im Kindsalter. Monatsschrift für Psychiatrie und Neurologie 60: 235-261, 1926.

[ii] Wolff, S: The first account of the syndrome Asperger described? Translation of a paper entitled “Die schizoiden Psychopathien im Kindsalter” by Dr. G.E. Shukhareva in Monatsschrift für Psychiatrie und Neurologie 60: 235-261. European Child & Adolescent Psychiatry. 5: 119-132, 1996.

[iii] Sher, D. A. and Gibson, J.L.: Pioneering, prodigious and perspicacious: Grunya Efimovna Shukhareva´s life and contribution to conceptualizing autism and schizophrenia.  European Child & Adolescent Psychiatry. 32: 475-490, 2023

[iv] Muratori, F., Calderon, S. and Bizzari, V.: George Frankl: an undervalued voice in the history of autism. European Child & Adolescent Psychiatry. 30: 1273-1280, 2021.

[v] Manoulienko, I. and Bejerot, S.: Sukhareva – Prior to Asperger and Kanner. Nor J Psychiatry. 69:479-482, 2015.

[vi] Kanner, L.: Autistic Disturbances of Affective Contact: 1943 Nervous Child, 2, 217–250, 1943

[vii] Hans Asperger: Die “Autistischen Psychopaten” im Kindesalter,  Archiv f. Psychiatrie 117, 76–136, 1944

[1] Gonçalves, J.C.A.: Autismo Infantil (Definição e Conceito): Rev. Port Def Mental: 1 (4), 367-371, 1971

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